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Desastres em Massa e a Odontologia Legal

 Desastres em Massa

  Se configuram como eventos catastróficos e repentinos que requerem uma resposta rápida e eficiente (SILVA, 2016). Nesse interim, os desastres podem ser de Causas Naturais - a exemplo tem-se terremotos, tsunamis, vendavais, erupções vulcânicas, enchentes, deslizamentos de encostas, entre outros - e de Causas Produzidas direta ou indiretamente pela Ação Humana - como os acidentes de aviação, de trânsito; naufrágios, guerras, atentados terroristas, incêndios e etc. E é justamente em situações como essas, que a Odontologia Legal pode ser escolhida como o método de identificação humana mais viável, prático e eficiente, cujo objetivo se dá em estabelecer a identidade das vítimas.

Cabe frisar para vocês, que tal estabelecimento de identidade está ligado não só a fatores sociais, no que tange laços com a família e amigos; como há também razões jurídicas para a busca da identidade humana. Nesse quadro, por lei, grande parte dos países exigem um Atestado de Óbito, o qual atesta a causa mortis, comprova civilmente a morte e soluciona questões que abranjam: seguros de vida, guarda de menores, heranças e diversos outros benefícios amparados por Lei Civil.


Aqui vai uma lista de alguns tipos de Desastres em Massa já ocorridos no Brasil: 

  • Naufrágio do "Bateau Mouche", Rio de Janeiro, 1988 - 1999. Das 142 pessoas abordo, 55 morreram.
  • Incêndio do Edifício "Andraus", São Paulo, 1972. Cerca de 16 pessoas morreram carbonizadas e outras 345 ficaram gravemente feridas.
  • Acidente aéreo dos "Mamonas Assassinas", Serra da Cantareira, 1996. Sem sobreviventes, com quase todos os corpos destruídos.
  • Rompimento da "Barragem de Brumadinho", Minas Gerais, 2019. Um dos maiores desastres ambientais da mineração brasileira, com 259 mortos e 11 desaparecidos.
Foto: Adriano Machado. Desastre de Brumadinho, 2019.


Mas quais os profissionais compõem a equipe de desastres?

Então, seguilegais, deve-se salientar não só a importância da equipe de odontologia legal no local do desastre, como também de outras equipes de trabalho como antropólogos, papiloscopistas, médicos legais, dentre outros profissionais que se articulam, por meio de uma hierarquia administrativa e funcional, no intuito de isolar a área para não prejudicar a cena do crime e nem a colheita de provas. Portanto, pode-se dizer que essas equipes irão trabalhar de modo integral na avaliação do local do incidente, nas buscas por sobreviventes e a posteriori pelos corpos das vítimas, separando a fim de análise e comparação seus dados post-mortem e ante-mortem.

A seguir imagem sobre o treinamento de profissionais para o desastre em massa


Gerenciamento de um local de desastre:

Primeiramente, delimita-se a área de isolamento, a qual varia de 100 a 500 m. Em segundo lugar, se estabelece um ponto de controle com entrada restrita. Uma vez dado a segurança do local, inicia-se a procura por evidências: restos humanos ou fragmentos destes, bem como materiais que podem ser considerados de alguma vítima. Essas evidências coletadas pela Equipe de Recuperação, serão encaminhadas à Central de Identificação (montada nas proximidades).

Como trabalha a Equipe de Recuperação?

Pois bem, a Equipe de Recuperação têm o dever de marcar os locais onde possuem achados, utilizando um Sistema de Localização por Quadriculado, o qual consiste em quadricular a área localizada, a dividindo em setores que receberão um número próprio. Assim, quando em um setor, por exemplo, se acha um fragmento ósseo, este deve ser etiquetado com numeração Arábica Simples: 1, 2, 3, 4, 5.... n. Vale lembrar, que sempre existem mais de uma Equipe de Recuperação presente nos desastres em massa, para tanto tais Equipes são divididas por letras - Equipe A, Equipe B, Equipe C - e os materiais coletados por cada uma delas deverão ser rotulados de modo que identifique a qual Equipe eles pertencem: A-1, A-2, A-3.... n; B-1, B-2..., C-1.. n.

Em casos de corpos ou restos humanos carbonizados, a única metodologia de identificação disponível é a odontológica. Nessas situações, prioriza-se embrulhar as cabeças em plásticos, de modo a proteger as evidências dentais. Feito isso, o corpo todo será colocado em um saco de plástico próprio, fechados com zíper e encaminhados à Central de Identificação, onde deveriam ser mantidos refrigerados entre 0 a 4°C. Uma vez que todos os corpos tenham sido retirados, realiza-se a fase chamada de "pente-fino", caracterizada por uma busca mais minuciosa da área. Nessa fase, grandes números de pertences pessoais e fragmentos corpóreos são achados.

O Gerenciamento de um Desastre:

Neste tópico, abordaremos de modo sucinto: quais os problemas mais importantes para uma Central de Identificação. De acordo com Vanrell (2002), são eles:

  1. Grande números de restos humanos
  2. Restos fragmentados, dispersados e carbonizados
  3. Dificuldade em determinar quem podia estar envolvido no desastre
  4. Obtenção de registros médicos, odontológicos significativos e radiografias
  5. Assuntos de índole legal, jurisdicional, organizacional e político.
  6. Documentação interna e externa e problemas de comunicação.
E, ainda segundo Vanrell (2002), existem quatro tipos de metodologias universais - com graus crescentes de complexidade, mas que podem ser complementar das precedentes - empregadas no desastre em massa:

  • Identificação visual
  • Impressões digitais ou de pegada
  • Identificação odontológica
  • Impressão digital do DNA

Legal né?! Mas você deve estar se perguntando: "Quais as funções do perito Odontolegista no desastre em massa?" Muito bem, iremos tratar disso neste tópico abaixo!

É fundamental que tenham em mente que o Setor de Odontologia Legal sempre estará presente na organização da Central de Identificação. Desse modo, o papel desempenhado pelos odontolegistas nos exames dentais post-mortem, clínicos e radiográficos é objetivo.

O primeiro procedimento realizado será: a dissecação que permita visualizar a cavidade oral e obter radiografias da mesma. Obs: Casos excepcionais podem exigir a retirada de maxila e mandíbula. 

Vale lembrar, que o uso da radiologia odontológica, nos casos das pericias odontolegais, é de extrema necessidade. Essa técnica fornece, portanto, evidências importantíssimas, no que tange à comparação das radiologias post-mortem com as de ante-mortem, identificando de modo positivo e incontestável a vítima. Logo, desde que haja a presença de uma característica anatômica singular pode-se proceder à identificação, por meio da visualização radiográfica de:

  • Anatomias de estruturas Orais
  • Restaurações Existentes
  • Materiais utilizados na cavidade oral
  • Patologias Preexistentes
  • Tratamentos endodônticos
  • Procedimentos cirúrgicos prévios
  • Fraturas prévias
  • Próteses, fixas ou móveis, em uso.
Após os exames radiográficos, procede-se ao odontograma, realizado sucessivamente por três profissionais, a fim de evitar quaisquer erros. Os achados registrados no exame post-mortem incluem:

  • Restaurações dentais
  • Dentes perdidos
  • Próteses
  • Patologias atuais
  • Anatomia singular (exemplo tórus)
  • Estimativa de idade
  • Referências para reconhecimento de sexo

O que seriam os dados ante-mortem e como proceder com os post-mortem?

Os dados ante-mortem englobam prontuários odontológicos, radiografias e modelos de gesso, os quais fornecem informações acerca do formato dos arcos, seu tamanho, padrões de rugas palatinas, anatomia geral, entre outras características da vítima.

Já os dados post-mortem serão arquivados em bases de programas de computador, com odontogramas padronizados, de modo que seja facilitado o processo de identificação humana. Assim, reduzem-se equipamentos, custos e tempo.

Protocolo de Trabalho em um local de Desastre - em se tratando de Ossadas:

O crânio e demais ossos devem ser, após coletados e etiquetados, limpos em solução de hipoclorito de sódio 1:10 litros de água, em seguida procede-se à lavagem e escovação para retirar aderências de tecidos moles, depois coloca-se em recipiente plástico com solução de peróxido de hidrogênio por 24 h e, por fim, secagem ao sol. Após secos, os crânios serão encaminhados ao odontolegista, e os demais ossos, para o setor de Antropologia Forense.

O odontolegista poderá colar, com cola de pistola elétrica ou com cera sete, os crânios fraturados, a fim de ajudar em suas reconstituições. Os métodos de investigação dos dados biotipológicos se dá através de metodologias qualitativas e métricas ou morfológicas ou quantitativas (VANRELL, 2002).

Os protocolos utilizados se baseiam: no estudo radiográfico simples do crânio, radiografias panorâmicas e/ou periapicais; no exame clínico dos arcos dentais, registrando todos os caracteres presentes tanto por fotografias quanto por desenhos esquemáticos; e exames de tratamentos odontológicos realizados. Obs: cabe ressaltar que a solicitação de prontuários odontológicos é Obrigatória.

Local de estudo pericial: Serviço de Antropologia Forense do IML ou o Gabinete de Odontologia Legal.

Laudos: Devem ser fundamentados, organizados e explicativos, apresentando as coincidências e discordâncias encontradas.

Estudo de DNA: Pode ser coletado algum fragmento ósseo ou mesmo um dente (preferencialmente molar) para esse estudo, em casos de ainda persistirem dúvidas.


CHECK-LIST para Perícias de Odontologia Forense

Este tópico fora retirado do tópico "Check-list em odontologia forense prática, do capítulo de Desastres em Massa de Jorge Paulete Vanrell". Com a finalidade de tornar a pesquisa diagnóstica das perícias odontolegais sistemática, lista-se:

  • Examinar e fotografar o conjunto de ossos
  • Reexaminar e fotografar após a limpeza do crânio
  • Colar e reconstituir ossos fraturados
  • Usar metodologias morfológicas ou qualitativas, e métricas ou quantitativas, nos estudos biotipológicos.
  • Obter das famílias dos envolvidos no desastre materiais que possam contribui com a perícia: fotos, radiografias de crânio, prontuários etc.
  • Investigar dados, lesões ósseas ou sinais, no crânio, que possam servir de ajuda para a causa mortis médica.
  • Registrar radiografia panorâmica e periapicais
  • Realizar exame clínico odontológico
  • Identificar trabalhos de dentística, de prótese e de endodontia que se encontrem presentes.
  • Fazer moldagens de ambos os arcos dentais e montá-las em articulador.
  • Buscar, quando necessário, auxílios de fora.
  • Guardar materiais - ósseo e dentário - para eventual exame de DNA
  • Montar laudos com linguagem clara e explicativa, ilustrando com fotografias, gráficos e etc.
  • Esclarecer as metodologias empregadas
  • Apontar coincidências e discordâncias que levem à conclusão de diagnóstico.
  • E por fim, mas não menos importante, JAMAIS ESQUECER QUE EM LAUDOS NÃO HÁ PRESSA.

Anexos

 Os anexos aqui presentes correspondem ao "Roteiro Médico-Legal para Atendimento de Vítimas Fatais em Acidentes de Massa, dos autores Francisco Silveira Benfica e Márcia Vaz"

Foram selecionadas algumas das fichas criadas pelos supracitados autores, para representar a coleta dos Dados Odontológicos para confronto ante-mortem e post-mortem em desastres de massa:

DADOS ANTE-MORTEM

Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz

Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz

Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz

Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz

DADOS POS-MORTEM


Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz


Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz

Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz

Fonte: Francisco Benfica e Márcia Vaz



E ai, comenta aqui embaixo o que você achou do tema de hoje!!! Deixe suas críticas construtivas, dúvidas, curiosidades, pedidos para os próximos temas acerca da Odontologia Legal!!!

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Texto de Desastres em Massa por Kananda Fernandes
Edição por Kananda Fernandes
Colaboradores Bruno Martins e Raysa Pinheiro

REFERÊNCIAS

BIANCALANA RC, VIEIRA MGDM, FIGUEIREDO BMJ, VICENTE SAF, DEZEM TU, SILVA RHA. Desastres em Massa: a utilização do protocolo de DVI da INTERPOL pela odontologia legal. RBOL: v. 2, n.2, 2015.

VANRELL, J.P. Identidade e Identificação. In: Vanrell, J.P. Odontologia Legal e Antropologia Forense. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.





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